Conforme reuniões iniciais, ideia é abrir Unidades Básicas de Saúde para passar orientação sobre tratamento precoce e medicar paciente.
Ministério abrirá unidades de saúde em outubro para orientações sobre “tratamento precoce”. Distribuição de cloroquina estava prevista.
O Ministério da Saúde vai realizar um “Dia D” de enfrentamento à covid-19 em outubro, abrindo Unidades Básicas de Saúde (UBS) para passar orientações sobre o “tratamento precoce” e medicar pacientes. Em planejamento apresentado em reuniões internas nesta semana, a pasta prevê uma série de ações até o dia do evento, como conferir estoques e turbinar a distribuição de medicamentos do chamado “kit covid-19” no País, que reúne cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina. Não há eficácia científica comprovada sobre o uso dessas drogas contra a doença.
A Saúde planejava realizar o Dia Nacional da Conscientização em 3 de outubro. Em nota divulgada ontem, porém, a pasta informou que o evento ainda será em outubro, mas sem data prevista. Sem dar detalhes, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, divulgou o evento anteontem durante reunião com gestores de Estados e municípios. “É um esforço nacional que o SUS está fazendo para divulgar melhores práticas, para que possamos salvar mais vidas”, disse. Pazuello afirmou que há “pessoas sendo iludidas no País” sobre o tratamento. “Até hoje você encontra cartazes dizendo: está com covid, fique em casa até ter falta de ar.”
Para divulgar o evento, o ministério esperava que o presidente Jair Bolsonaro tratasse do tema durante sua live semanal, no dia 1.º. Na sexta, dia 2, o presidente ainda faria um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV. Procurado, o Palácio do Planalto não confirma. Participa da organização o empresário Carlos Wizard, que chegou a ser cotado ao cargo de secretário do Ministério da Saúde e tem atuado como conselheiro informal na pasta.
Após o Estadão revelar o plano, Pazuello e seus auxiliares fizeram uma série de reuniões nesta sexta-feira sobre o tema. Com temor de secretários de Estados e de municípios sobre a possibilidade de o evento se tornar
O documento obtido pelo Estadão mostra que o Ministério da Saúde ainda elabora orientações para o atendimento no “disque SUS”, pelo atendimento telefônico 136.
uma espécie de celebração à cloroquina, o ministério vai tentar passar a ideia de que o “Dia D” servirá apenas para conscientização sobre o tratamento precoce.
Pazuello disse a auxiliares que não há a menor hipótese de estes medicamentos serem entregues no dia 3. O general atribuiu o plano revelado pelo Estadão a um documento “vazado”, que já teria sido vetado há duas semanas, segundo interlocutores do ministro. Irritado com a repercussão, Pazuello até ameaçou cancelar o “Dia D”.
A reportagem apurou que os slides também foram apresentados no começo desta semana a representantes de Estados e municípios durante uma videoconferência. Ao menos um secretário de Pazuello participou da conversa.
Para justificar o pé atrás sobre o “Dia D”, gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) consultados pela reportagem lembram que, no vocabulário de Bolsonaro, o “tratamento precoce” significa a prescrição da cloroquina desde os primeiros sintomas. Procurado, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) não informou se apoiará o evento. Em nota, a entidade disse que “defende que pessoas com sintomas da covid-19 recebam o cuidado precoce, ou seja, atenção médica a partir dos primeiros sintomas”. “Contudo, isto não deve significar a utilização de medicamentos sem eficácia comprovada.” Professora de epidemiologia da Uerj e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo chamou de “irresponsabilidade” a defesa da Saúde por medicamentos “que já se mostraram ineficazes”. “A pandemia no País ainda não está controlada e o que precisamos é implementar as medidas de saúde pública recomendadas.”
Secretários estaduais consultados pelo Estadão dizem ainda aguardar mais detalhes. Outro temor é de que o “Dia D” promova aglomerações. Já o Conselho Nacional de Secretarias Municipais (Conasems) disse apoiar a iniciativa. “É sobre cuidado precoce.” Procurado ontem, o Ministério da Saúde afirmou que “as ações não preveem a distribuição de medicamentos por nenhum órgão envolvido na iniciativa”.
O Estado de S. Paulo 26 Setembro de 2020 Mateus Vargas