Futuros trabalhadores dessa área são treinados para oferecer atendimento mais humano e menos indiferente aos próprios pacientes. Um médico deve sair da faculdade pronto para diagnosticar doenças, indicar tratamentos e acompanhar o quadro clínico dos pacientes. Mas, além de sintomas, o profissional precisa ter sensibilidade para unir conhecimentos teóricos com as necessidades que acompanham as pessoas que atende. Há duas décadas, o processo da humanização na área da Saúde começou a ganhar força nos Estados Unidos e hoje universidades brasileiras estão alinhadas com esse conceito.
A partir de atividades e exercícios que não estão nos livros, o recém-formado sai preparado para enfrentar situações adversas e complexas, como uma mãe desesperada ao lado de um filho atropelado, um jovem diagnosticado com uma doença terminal ou uma criança hospitalizada com sinais de maus-tratos ou abuso sexual. Há poucos anos, essa competência costumava ser adquirida exclusivamente na prática, depois de ter o diploma nas mãos.
Hoje, por exemplo, alunos de Medicina, Enfermagem, Psicologia e Fisioterapia da Universidade Anhembi Morumbi, de São Paulo, contam com laboratórios de simulação para treinar o atendimento de pacientes-atores desde o 1.º ano do curso. Para Simone Sato, diretora acadêmica adjunta da Escola de Ciências da Saúde da instituição, os laboratórios contribuem para a formação integral dos estudantes, sob aspectos cognitivos e psicomotores.
“Montamos cenários realísticos e os estudantes veem como é assumir pacientes-atores ou voluntários em uma troca de plantão, dar notícias de óbito e atender alguém que recebe alguma má-notícia e entra em choque. Mais tarde, na situação real, eles já terão desenvolvido a habilidade”, conta.
Teatro
Com foco na humanização, o Centro Universitário de Araraquara (Uniara) lançou em 2011 uma parceria entre o grupo de teatro da instituição e os cursos de Saúde. A ideia é trabalhar com os alunos não só a questão técnica de como atender e dar notícias a uma pessoa, mas desenvolver a capacidade de tratar um paciente como um ser humano e não como um número, conforme Alcindo Sabino, coordenador do curso de Teatro.
Além do contato com os alunos de Medicina, o pessoal do Teatro do Uniara também tem ajudado as turmas de Direito. Nesse caso, a comunicação treinada é direcionada para a atuação em tribunais, audiências, palestras e até concursos públicos que exigem prova oral.
Na UEL, aula reúne futuros médicos e atores
Na Universidade Estadual de Londrina (UEL), alunos de Medicina e de Artes Cênicas começaram a se reunir neste ano para simular situações realistas. Futuros médicos e atores têm aulas juntos e usam a encenação nas provas práticas.
Uma das responsáveis pelo projeto, a professora de Habilidades Médicas Evelin Ogatta Muraguchi conta que, depois que se formou como médica, há 28 anos, foi aprendendo com seus erros e acertos a se comunicar com pacientes e seus familiares. “Hoje temos uma formação mais rica. O médico aprende a lidar com situações difíceis e a estabelecer uma relação com o paciente que seja de conforto, sem aumentar o sofrimento da família”, conta.
Crescimento conjunto
O estudante Lucas Néia, 20 anos, está no 3.º ano de Artes Cênicas e diz que a troca com os alunos de Medicina traz benefícios para ambos os lados. “Recebemos um perfil de paciente [para atuar] e há um revezamento. A cada hora é um aluno que entra para atuar com a turma de Medicina. Depois contamos como foi o atendimento: se perguntaram o nome, olhavam no olho, se estavam interessados.” Ele conta ser perceptível a diferença entre os acadêmicos de Medicina. Enquanto alguns se mostram interessados no paciente, outros querem mostrar que conhecem o conteúdo.
Depoimento
Encenação ajuda a constatar falhas que passam despercebidas
Erick Bragato, aluno do 4º ano de Medicina da UEL
Quando fazíamos apenas treinamentos de atendimento com nossos colegas do curso, isso não acarretava mudanças na nossa maneira de agir. Os alunos de Artes Cênicas conseguem incorporar os pacientes que teremos no dia de amanhã e, a cada conversa com eles, surgiam novos desafios que nos colocavam em situações difíceis. No role-playing [técnica de interpretação de personagens], temos um feedback por parte dos alunos de Artes Cênicas e dos professores e acabei constatando várias atitudes que antes não tinha dado conta, como postura incisiva ou tom de voz alto. Em um treinamento para abordar abusos na infância, por exemplo, aprendemos que, mesmo se tratando de um tema delicado, nunca devemos acusar ou incriminar alguém e, sim, buscar uma melhor solução para o resguardo da criança.
Atendimento real na sala de espelhos
Uma grande sala dividida ao meio, daquelas em que apenas quem está posicionado de um lado consegue ver quem está do outro, através de um espelho, é a principal ferramenta para aproximar os alunos do curso de Psicologia da PUCPR da prática da profissão. Desde o 2.º período, os estudantes têm contato com atendimentos feitos nesse ambiente.
Segundo o coordenador do curso, Nain Akel, o processo é gradativo. Primeiro, os futuros psicólogos apenas observam atendimentos e fazem registros. Depois, passam a praticar sob os olhares ocultos de orientadores até que estejam prontos para começar a atender – buscando o diagnóstico primeiro e fazendo intervenções na sequência.
A experiência na sala de espelhos significa mais realismo nos atendimentos. Segundo Akel, antigamente, os alunos também aprendiam observando a interação psicólogo-paciente e sendo observados enquanto atendiam. Mas isso ocorria no mesmo ambiente, o que constrangia os pacientes.
Fonte: Gazeta Maringá – Por: Adriana Czelusniak