
Trata-se de uma das piores e mais nefastas formas de exploração do trabalho humano.
De um lado, há o óbvio sofrimento pessoal que resulta da imposição de tarefas para corpos e mentes ainda não preparados para isso. A psique em formação da criança não suporta as responsabilidades da rotina inflexível do trabalho.De outro lado, há o patente prejuízo resultante da cessação de sua formação. As crianças utilizadas no trabalho não estudam ou estudam sem aproveitamento e, assim, não conseguem romper o círculo vicioso da miséria.
São crianças pobres que não vão à escola porque trabalham e, por isso, tornam- se adultos pobres porque desprovidos de qualificação profissional, tragicamente num mundo cada vez mais competitivo.
Essas crianças gerarão outras crianças pobres, que também deixarão de ir à escola para trabalhar. E, assim, repete- se o eterno ciclo da pobreza. Some-se a isso a circunstância de que os reflexos das crianças, ainda inconsistentes, expõem-nas a riscos muito maiores de acidentes de trabalho.
O Brasil assumiu compromisso internacional com a OIT de eliminar o trabalho infantil até 2020. Para isso, é urgente a união do Estado e da sociedade. O primeiro passo reclama uma revolução cultural. Não se podem mais aceitar, em pleno século 21, argumentos equivocados sobre a relação entre criança e trabalho, fruto de preconceito ou desinformação. Entre o crime e a fábrica, o lugar da criança é na escola e nas brincadeiras, a fim de preparar-se para a vida adulta saudável.
O passo de maior dificuldade é a superação das desigualdades sociais.
Apenas o equilíbrio de uma sociedade justa e solidária porá fim a esse cenário. A par disso, estágio e aprendizagem não devem funcionar como meras fantasias a travestir a exploração de nossas crianças. Estágio e aprendizagem, segundo a lei, destinam se a adolescentes e estritamente em ofícios em que seja possível proporcionar ao jovem uma formação sistemática e metódica, inconcebível, por exemplo, numa atividade como a de empacotador de supermercado.
É urgente também pôr freio às autorizações judiciais para o trabalho antes dos 14 anos.A Justiça estadual concede milhares de autorizações anuais dessa natureza, sem que pudesse e devesse fazê-lo. Primeiro, a matéria é afeta à Justiça do Trabalho por cuidar de uma pretensão relacionada ao trabalho humano subordinado (art. 114, I da Constituição Federal). Segundo, porque, para tal autorização, se impõe maior parcimônia na ponderação dos inegociáveis interesses da criança.
Para debater essas questões, o TST promove, de 9 a 11 de outubro, o seminário Erradicação do Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho (www.tst.jus.br/trabalhoinfantil).
Ninguém pode ficar indiferente, pois está em jogo o nosso futuro como nação civilizada. Bem assinalou a poetisa chilena Gabriela Mistral: Muitas das coisas de que necessitamos podem esperar. As crianças não podem. Agora é o momento: seus ossos estão em formação, seu sangue também e seus sentidos estão se desenvolvendo.
A elas nós não podemos responder amanhã, seu nome é Hoje .
JOÃO ORESTE DALAZEN
Ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho
(Clipping Jornal Correio Brasiliense de 10 de outubro de 2012)