Só um terço da população faz doações anuais para a área social. A taxa é uma das menores do mundo. Na Holanda, esse hábito é cultivado por 70% dos habitantes.
Apenas 33% dos brasileiros fazem doações anuais para a área social. O número coloca o Brasil entre os piores doadores do planeta. A Holanda, país em que dois terços das pessoas colaboram com ações desta natureza, é a campeã em caridade, seguida pelo Reino Unido e Suíça, onde metade dos moradores é solidária. Nos EUA a taxa é de 41%. Apesar do reduzido porcentual de colaboradores, os valores destinados ao terceiro setor no Brasil são equivalentes aos da Europa e dos Estados Unidos. Os dados fazem parte de uma pesquisa que avaliou as doações em 14 países, com 13,9 mil entrevistados.
A tendência de se investir em projetos voltados para a infância é confirmada no levantamento mundial. No Brasil, as crianças recebem metade das doações, porcentual maior que o observado na Europa e restante do mundo, onde essa população fica com menos de 40% dos donativos. As organizações religiosas aparecem em segundo lugar no país, com 24%. Para os doadores europeus o foco principal são projetos voltados à redução da pobreza e programas humanitários.
Entre os brasileiros, 74% apontam como motivo para as doações questões religiosas ou filosofia pessoal. Para os europeus este também é o principal motivo, seguido dos 35% que se identificam pessoalmente com a causa a que ajudam.
Boas ações
Somente após os anos 90 a situação do terceiro setor começou a mudar no Brasil. Hoje o país tem 338 mil organizações não governamentais e quase metade foi criada entre 1990 e 2000. Dados do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), que reúne os maiores investidores sociais privados do país, mostra que a área social recebeu apenas em 2010 R$ 2 bilhões.
São instituições como a Fundação Francisco Bertoncello, criada pela curitibana Jussara Maria Bertoncello, 59 anos. Quando o marido faleceu em 2000, ela encontrou um motivo para viver, criando a fundação com o nome do marido e que hoje é a mantenedora de uma instituição de acolhimento em Colombo, região metropolitana de Curitiba, que abriga 30 crianças com idade entre 0 e 12 anos.
Jussara conta que o casal sempre se dedicou a ações voltadas para a infância e era um desejo do marido construir um espaço para os meninos e meninas viverem com dignidade. Mas o falecimento precoce o impediu de realizar o sonho. Jussara reuniu os filhos, familiares e amigos e propôs a criação de uma fundação para homenagear o esposo.
A empresária Patrícia de Faro Nunes também investiu recursos próprios na área social. Em 2007, ela decidiu doar a herança deixada pelos pais e criou uma instituição de acolhimento para crianças e adolescentes. O projeto começou quando a família se mudou para Curitiba e o filho da administradora conheceu na escola um amigo com uma história de vida dramática. O menino, de 9 anos, era filho de uma usuário de drogas e, após passagens pelo abrigo e tentativas de reintegração na família, foi morar na rua. Patrícia acompanhou o caso e decidiu ajudar.
O Instituto Nauru surgiu em 2007 e hoje abriga 10 crianças e adolescentes. Assim como o colega do filho, os demais garotos dificilmente têm chance de retorno familiar ou adoção. Todos estudam em escolas particulares, recebem atendimento psicológico e praticam esportes. “É um trabalho às vezes desgastante, mas que cada dia traz uma nova recompensa. Olho para eles e vejo o futuro.”
Iniciativa
Unidos pelo bem comum
Há seis anos, o empresário Fabrizzio Zanette criou uma organização não governamental chamada Vivamigos para reunir colaboradores e auxiliar outras instituições. A iniciativa começou com 40 integrantes e hoje tem 120 associados que contribuem com R$ 30 mensais. Tudo começou quando Zanette reuniu um grupo de amigos para participar da campanha de Natal dos Correios.
“Foi então que surgiu a ideia de fazermos ações o ano todo. Depois de algumas reuniões, decidimos criar uma ong e procurar atender instituições de Curitiba e região metropolitana.”
O trabalho deu certo e hoje eles beneficiam todos os meses quatro instituições que atendem cerca de 200 crianças. “Procuramos ajudá-los financeiramente, pagando algumas contas de consumo, como água, luz, telefone e internet, e de profissionais, como professor de informática, pedagoga e educadores.”
O grupo também promove bazares e palestras educativas. Há também almoços, festas juninas e gincanas culturais. Os associados se reúnem uma vez por mês. O Vivamigos precisa de novos colaboradores.
Como ajudar
É possível doar para projetos que atendam crianças e adolescentes; projetos de incentivo à cultura e ao audiovisual e abater o investimento do Imposto de Renda.
Regras
– Pessoas físicas podem doar 6% do valor devido em impostos e empresas 1%.
– As doações são feitas por meio dos fundos controlados pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Em relação à ações culturais, a doação ocorre por meio de projetos específicos.
– É necessário fazer a declaração completa do Imposto de Renda.
– Para mais informações, basta acessar www.receita.fazenda.gov.br, www.criancaquerfuturo.curitiba.pr.gov.br e www.familia.pr.gov.br.
Instituições consultadas
– Fundação Francisco Bertoncello
– Site: www.fundacaofbertoncello.com.br
Instituto Nauru
– Telefone: (41) 7814-7000
Vivamigos
– Site: www.vivamigos.org.br
Filantropia
Falta de hábito e burocracia
As diferenças no porcentual de doadores do Brasil e no restante do mundo ocorrem principalmente por dois motivos: falta de cultura filantrópica e inexistência de incentivos legais. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma legislação que taxa grandes fortunas e heranças e faz com que as pessoas sejam incentivadas a doar. A Suíça, um dos países com maior porcentual de doadores, tem tradição nesta área e abriga organizações importantes como a Cruz Vermelha e a Cáritas, ligada à Igreja Católica. O Brasil, ao contrário, foi durante boa parte do século passado destinatário dos recursos europeus.
Analista jurídico do Centro de Ação Voluntária (CAV), Thiago Soares afirma que casos de desvios de verbas associados a organizações não governamentais também inibem doações. Para ele, a má administração do dinheiro público contribui com a sensação de que as doações não serão bem utilizadas. Outro ponto é que o processo de dedução do imposto de renda para projetos sociais é complicado. Para o contribuinte, às vezes é mais fácil realizar o trâmite normal da declaração do imposto. (PC)
A reportagem é de Paola Carrie - Gazeta do Povo