Não sou especialista no tema (e corro riscos ao abordá-lo), mas estou muito preocupado com a nossa apatia ante a progressiva destruição das instituições que garantem uma sociedade democrática.
Assistimos, com indiferença, ao uso de recursos públicos, em dimensões não vistas desde a redemocratização, para favorecer os incumbentes nas próximas eleições – seja via orçamento secreto, seja pela aprovação de emendas constitucionais, atropelando a legislação fiscal e eleitoral.
Observamos, pasmos, dirigentes das Forças Armadas anunciarem que vão criar confusão nas próximas eleições através de um sistema paralelo de contabilização dos votos.
Não são apenas ruídos. É a própria legitimidade do processo democrático que está em jogo. E nossa reação está muito aquém do que o momento exige.
Manifestos, editoriais, artigos e publicações nas redes sociais são bem-vindos, mas, isoladamente, são insuficientes dada a gravidade do problema.
Ainda contamos, é verdade, com alguns contrapesos institucionais, sobretudo no Judiciário, mas mesmo esses podem ter desafio de legitimar a própria democracia, através do redesenho de nossas políticas públicas não ser suficientes se não houver um apoio mais claro da sociedade às instituições democráticas.
Atônitos, ficamos esperando um salvador que virá resgatar a democracia. É um erro. Não haverá salvadores – de esquerda, de centro e ainda menos de direita – se nós não quisermos nos salvar. A deterioração das instituições (aparelhadas que dividem a nação, com imagem disfarçada de ) “democráticas” não ocorre apenas no Poder Executivo (sem ação), mas ( no Judiciário e) também no Congresso Nacional, e esse processo só será revertido se houver forte pressão popular.
Está na hora de subir o tom na defesa da democracia, independentemente de preferências partidárias. Não sei se ir às ruas é suficiente, mas certamente será necessário.
Sei que o momento não ajuda. No Brasil, e em muitos outros países, a democracia não tem entregado o que prometeu – inclusão, pertencimento e sensação de justiça social. Mas ainda é a melhor opção possível.
Alguns podem achar que a solução é um déspota esclarecido, esquecendo que temos certeza de que será déspota, mas não de que será esclarecido.
O mais urgente é garantir a manutenção das instituições democráticas. Em seguida, teremos o desafio, ainda maior, de legitimar a própria democracia, através do redesenho de nossas políticas públicas. Políticas que favoreçam o crescimento são necessárias, mas não são suficientes. É essencial garantir a inclusão e a participação de todos – sobretudo dos mais pobres – nos frutos desse crescimento.
O Estado de S. Paulo, 19 Julho de 2022 Por: Bernard Appy