Novo modelo ganha espaço nas empresas.
Você já teve a sensação de que precisava de mais horas no seu dia para dar conta de tudo? Afinal, além das responsabilidades do trabalho, precisa ir ao médico, fazer compras, estudar, ter uma vida social e ainda descansar. Trabalhar menos é uma coisa que todo mundo parece querer. E se você pudesse otimizar seu trabalho e como recompensa tivesse um dia a mais de descanso para se concentrar na sua vida pessoal?
A semana de trabalho de quatro dias é vista como uma tendência recente na Europa e está ganhando reflexos no Brasil. Empresas como Winnin, AAA Inovação e Crawly entenderam que, a partir da demanda dos funcionários, poderiam tentar adaptar a rotina de modo que não se perdesse produtividade, mas houvesse um ganho de bem-estar e satisfação entre os talentos.
Para isso, as startups otimizaram a comunicação, eliminaram reuniões improdutivas ou extensas demais, e mantiveram as oito horas de trabalho diárias, sem redução de salário. O benefício transformou positivamente o dia a dia dos colaboradores e provou na prática que funcionários felizes produzem mais.
No primeiro semestre de 2021, por meio de uma pesquisa interna, os sócios da Winnin, uma martech (startup de marketing) que utiliza a ciência de dados para compreender o mercado de influência digital, descobriram que o alto índice de estresse estava causando uma queda na felicidade dos seus colaboradores.
Eles estudaram diversas possibilidades para reverter o problema e chegaram à teoria dos quatro dias de trabalho por semana. Os dados analisados eram otimistas e eles decidiram arriscar.
EXPERIMENTO.
“Juntamos a empresa toda e contamos que iríamos fazer um experimento social, mas era um segredo porque podia não dar certo”, conta Gian Martinez, cofundador e CEO da Winnin. O sucesso da iniciativa dependia de duas variáveis: o aumento da qualidade de vida e a manutenção ou a melhoria na produtividade dos colaboradores.
Planejar cada passo foi essencial para o sucesso do experimento. Gian conta que a ideia não era simplesmente tirar um dia útil da semana, mas pensar em como a equipe poderia trabalhar de forma mais inteligente e eficiente. “Se a gente simplesmente tivesse tirado o dia sem ter pensado nessas questões, com toda a certeza isso teria dado errado.”
O teste foi estendido para três meses e, depois, para seis meses. Os resultados foram animadores: 40% dos colaboradores perceberam um aumento na atenção dada às suas saúdes mental e física em relação ao período anterior ao experimento. “Tivemos de pensar em como podíamos treinar a empresa a trabalhar de forma mais produtiva e, como consequência, ganhamos um dia a mais de descanso, sem culpa”, conta Gian.
WHATSAPP COMEDIDO.
Em janeiro deste ano, a AAA Inovação – consultoria com foco em tecnologia e inovação – também decidiu reduzir os dias da semana na jornada de trabalho. Sua versão da semana de quatro dias incluiu a sexta-feira como o “AAA Reset Day”, dia específico para os funcionários fazerem cursos, participarem de eventos ou simplesmente descansarem.
Com mais tempo para relaxar a mente, os gestores viram uma melhora no equilíbrio entre vida pessoal e profissional dos colaboradores e um aumento na criatividade das equipes. “A gente se tornou muito mais eficiente, muito mais criativa e também conseguiu melhorar a qualidade da entrega”, afirma Juan Pablo Boeira, CEO da startup.
Horas e mais horas gastas em reuniões desnecessárias e comunicações constantes via Whatsapp, em que o funcionário é “encontrado” mesmo fora do horário de trabalho, também foram abolidas. Para diminuir os dias de trabalho e ainda conseguir manter a produtividade em dia, foi necessário transformar todos os setores da empresa e torná-los mais ágeis. Como resultado, os colaboradores ficaram mais felizes e conseguiram se dedicar ao trabalho sem tantas distrações, explica Juan.
No caso da empresa Crawly, o funcionário Pedro Maximino folga às sextas-feiras desde que entrou na empresa, há seis meses. A startup trabalha com o final de semana de três dias desde 2018 e é uma das precursoras da jornada no País.
Para o analista de marketing, apesar do estranhamento inicial, a adaptação a esse novo modelo foi rápida. “Com quatro dias de trabalho, a gente tem de ter uma proatividade muito maior. É aprender a fazer mais em menos tempo.”
NEUROCIÊNCIA.
A ideia de diminuir os dias trabalhados pode parecer radical para algumas pessoas ou um verdadeiro “sonho” para outras, mas o fato é que, segundo especialistas, longos dias e horas de trabalho não nos tornam mais produtivos. A produtividade é um fenômeno complexo, explica Thaís Gameiro, neurocientista e sócia da consultoria Nêmesis. Ela envolve, conta Gameiro, diversos fatores como motivação, instinto de sobrevivência, engajamento, hidratação, boa alimentação e descanso. Nosso cérebro cansa e a sobrecarga de trabalho, em vez de aumentar nossa capacidade produtiva, nos esgota.
“É só a gente pensar como é que a gente se sente no dia em que trabalha muito. Parece que a gente realmente correu uma maratona, mas a gente só ficou sentado olhando para o computador”, explica a neurocientista.
Ao diminuir os dias de trabalho, diz ela, os colaboradores também conseguem aumentar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “Existe ali um ganho de bem-estar e saúde. As pessoas conseguem usufruir melhor do seu tempo livre, e isso faz com que elas estejam melhores para trabalhar e fiquem muito mais engajadas”, conclui. •
“É só pensar no dia em que trabalhamos muito. Parece que a gente correu uma maratona, mas só ficou olhando para o computador.”
Thaís Gameiro Neurocientista
O Estado de S. Paulo.19 Março de 2022
Por: BRUNA KLINGSPIEGEL ESTAGIÁRIA SOB A SUPERVISÃO DA EDITORA DE CARREIRA, ANA PAULA BONI