Com toda a campanha para eliminar os direitos trabalhistas que vêm sendo feita desde o golpe contra a Presidenta Dilma, entramos de vez no processo que vem sendo chamado de “pejotização”, ou seja, as pessoas fisicas têm sido estimuladas a abrirem empresas individuais para que outras empresas as contratem como prestadoras de serviços, sem qualquer direito trabalhista.
Eu até acredito que, em muitos casos, esse modelo pode não ser tão ruim assim. Eu, por exemplo, prefiro trabalhar dessa forma.
Acontece que eu sou uma exceção. Trabalho em uma área muito bem remunerada e, depois de 37 anos de experiência e uma excelente reputação, tenho ofertas constantes de novos contratos. Além disso, sou professor universitário aposentado e tenho uma vida financeira bastante sólida, com muitos negócios e uma carteira de investimentos com sete dígitos. Tudo isso me garante uma posição muito confortável e posso escolher para quem trabalho ou não, em que condições trabalho ou não. Essa, no entanto, não é a situação da maioria dos trabalhadores brasileiros.
Recentemente rejeitei um contrato com uma empresa que me propôs coordenar o desenvolvimento de um sistema para ela. O motivo da rejeição foi a inclusão, na minuta do contrato, de um termo de exclusividade. Eu teria de manter apenas o contrato com eles, não assumindo contratos com outras empresas durante a vigência do mesmo.
A primeira pergunta que fiz quando li a minuta do contrato foi: Quantos clientes a sua empresa tem? Apenas um?
O preposto da empresa que estava discutindo o contrato comigo ficou surpreso. Na visão dele, era natural que a empresa deles tivesse muitos clientes, para fatura mais e lucrar mais. Mas, na mesma visão, ele pretendia tratar-me como um empregado comum… só que sem direitos trabalhistas!
Eu teria de prestar expediente de oito horas. Eu teria de obedecer à cadeia hierárquica da empresa. Eu teria de trabalhar exclusivamente para eles, como se fosse um empregado de carteira assinada. Mas sem a carteira assinada. Sem FGTS. Sem férias. Sem vale refeição. Sem vale transporte.
Enfim, eu ficaria com todos os encargos e todas as obrigações. Eles lucrariam alto às custas do meu trabalho, enquanto exigiam que eu fosse empresa e me tratavam como empregado.
A segunda pergunta que eu fiz quando li a minuta do contrato foi: Vocês acham que eu sou palhaço?
Se querem que eu seja empresa, por mim tudo bem. Mas se sou empresa, quero a mesma liberdade da empresa deles, ora! Quero, por exemplo, poder ter muitos clientes e faturar de diversas fontes, não ficando na dependência apenas do contrato deles.
O preposto da empresa ainda tentou argumentar, alegando que eu não teria tempo de executar mais de um contrato. A minha resposta foi simples e devastadora: Eu contrato quem me ajude. Não é isso que vocês fazem? Não é exatamente isso que estão fazendo ao me contratarem para fazer um sistema que venderão para outras empresas?
Ah, pobres trabalhadores brasileiros! Caíram no “Conto do Empreendedor”. Adquirem um CNPJ e acham que com isso são empresários. Mas os empresários continuam a tratá-los como empregados, só que sem direitos.
Eu abri uma empresa, sim. Pejotizei-me, sim. Mas isso não quer dizer que eu concorde em ser escravo. Se os capitalistas querem que eu seja empresário como eles, por mim tudo bem. Mas aí eu quero faturar como eles, lucrar como eles, trabalhar nos mesmos moldes que eles trabalham. Não aceito nada menos que isso.
Exclusividade? Isso eu dou à minha esposa!!!
Quem quiser meu trabalho em regime de exclusividade tem de me oferecer contratos na casa dos seis ou sete dígitos. Porque isso eu sei que posso ganhar comercializando minha força de trabalho para diversos clientes. Exatamente como todos os empresários de porte fazem.
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Ed D. Sênior Fullstack Developer – Doutor em Matemática – Doutorando em Psicanálise. Data: 28 de outubro de 2021